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Redução de salário é prejudicial, agressiva e ineficaz

Após editar uma Medida Provisória que permite a redução de até 100% do salário dos trabalhadores da iniciativa privada, o governo começa a mirar a redução do salário dos servidores públicos.

O tema já foi citado recentemente por BolsonaroPaulo GuedesRodrigo MaiaKim Kataguiri e outros expoentes do ultraneoliberalismo brasileiro.

Mas, diante do montante de recursos que serão necessários para o país vencer o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS), a crise sanitária, o estado de calamidade pública e a crise econômica, a economia a ser feita com corte salarial dos servidores é suficiente?

A resposta é não! Trata-se de uma medida demagógica e antitrabalhador. Conforme já publicamos em Nota Conjunta assinada por SINASEFE, Andes-SN e Fasubra“a massa salarial dos servidores representa 4,4% do PIB, algo em torno de R$ 290 bilhões por ano, incluindo os aposentados. Uma redução de 10% para quem ganha menos de 10 mil reais, e de 20% para quem ganha acima de 10 mil reais, significaria algo em torno de 30 bilhões no ano, o que corresponde a apenas 10 dias do que pagamos aos bancos para a rolagem da Dívida Pública”.

Esse dinheiro que seria confiscado com o corte salarial, além de não resolver o problema da crise do SUS, agudiza o problema da crise econômica, visto que os servidores públicos ficarão com poder de compra reduzido e haverá menos dinheiro circulando na economia, levando pequenos estabelecimentos à falência e aumentando os lucros do já bilionário sistema bancário (que será bastante demandado por empréstimos). Ou seja: é uma medida que vai piorar a desigualdade social e a concentração de renda no país!

A economia realizada sobre a folha de pagamento não chegaria nem a 5% do montante do orçamento que precisará ser empenhado. Sendo assim, mais uma vez os servidores seriam atacados por uma alternativa prejudicial, agressiva e ineficaz, pois o confisco de salários nos moldes propostos é irrisório aos valores que deverão ser injetados no país, enquanto, em contrapartida, o salário do servidor é extremamente importante para movimentação em diversos outros seguimentos de consumo.

Em discussão no momento: o PL 1144/2020

Desde novembro do ano passado, o Congresso Nacional, seja através de propostas do Executivo ou do Legislativo, pauta a redução de salários servidores públicos e outras despesas com o funcionalismo.

Pelo menos três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) – nº 186/2019 (Emergencial), nº 187/2019 (da Desvinculação dos Fundos) e nº 188/2019 (do Pacto Federativo) – versam sobre o assunto. Os instrumentos compunham as sugestões do Ministro da Economia, que, em limitada síntese, buscava a redução do gasto público. Inclusive, na chamada PEC Emergencial, o objetivo primordial é reduzir proporcionalmente os salários e a carga horária dos servidores públicos por dois anos, em 25%, além de impedir promoção e vedar a realização de concursos públicos, impondo limite para a aplicação das medidas menor que a do teto dos gastos (EC 95/2016).

Mas há uma nova proposta para a redução dos salários, que decorre do Projeto de Lei (PL) do deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP), o PL 1144/2020.

Quais servidores serão afetados pelo PL 1144/2020?

  • Ocupantes de cargos, funções e empregos públicos que estão na ativa;
  • Da Administração Direta, Autárquica e Fundacional, portanto, não se aplica aos empregados de Empresas Públicas;
  • Dos Poderes da União – Executivo, Legislativo e Judiciário. Não se aplica aos servidores estaduais nem municipais;
  • Detentores de mandato eletivo e demais agentes políticos no âmbito federal.

Não se aplica aos servidores da saúde e de segurança pública que estejam prestando serviço efetivo durante o estado de calamidade pública.

Como serão afetados pelo PL 1144/2020?

  • Redução do salário em 10%, para quem recebe remuneração superior a R$ 5 mil, aplicado o percentual para quem recebe até R$ 10 mil;
  • Redução do salário de 20% até 50% para quem recebe subsídio superior a R$ 10 mil – esse percentual será definido por cada Poder.

Qual o prazo do PL 1144/2020?

Aplica-se após aprovação, por três meses, prorrogável por três meses, limitada a aplicação ao prazo de duração do estado de calamidade pública.

Qual a destinação dos valores confiscados?

Será direcionado ao Ministério da Saúde, para utilização em ações e serviços públicos de saúde relacionados ao combate à pandemia da COVID-19.

Cortar salários dos servidores é inconstitucional

O PL 1144/2020 cumpre basicamente uma sanha populista que se funda na retórica de que se os trabalhadores informais ou da iniciativa privada poderão ter decréscimo salarial, em decorrência da pandemia, o servidor público também deverá ter.

Vários economistas apontam que não é hora de ajuste fiscal. É preciso que o Estado gaste dinheiro para amenizar as consequências econômicas.

O que se percebe, na realidade, é que a ideia de reduzir a remuneração dos servidores públicos é uma constante política da conjuntura atual. Não é algo que surgiu agora, como uma solução orçamentária para pandemia ou mesmo por solidariedade como alguns propagam.

Até porque, se o espírito caridoso e de proporcionalidade fosse aplicado, certamente a redução se daria de forma progressiva. Da forma como proposta, entretanto, o critério utilizado padece de razoabilidade já que enquanto um Poder poderá aplicar 20% de redução, o outro poderá aplicar até 50%, sem que haja qualquer justificativa para tanto.

Esquecem-se, ainda, de que a estabilidade funcional, além de assegurar inferências de agentes políticos para manutenção do interesse público, deve ser, também, uma garantia ao servidor que foi aprovado em concurso público e dedica sua carreira à população por um salário e progressão funcional dispostos em lei, com uma série de restrições quanto ao exercício de outras atividades.

Além disso, o PL 1144/2020 não prevê redução da carga horária. No atual cenário, alguns servidores estão há anos sem reposição salarial, têm trabalhado além das horas habituais e, ainda, terão um decréscimo salarial considerável, gerando enriquecimento sem causa do Estado e exploração da mão de obra.

O PL 1144/2020 exime apenas servidores da saúde e da segurança que estejam atuando diretamente no combate à COVID-19, mas mantém a redução da remuneração de outras categorias, que igualmente têm trabalhado incessantemente contra a pandemia.

Observa-se, por exemplo, os oficiais de justiça, no Judiciário, os servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que têm trabalhado diuturnamente em procedimentos administrativos e de fiscalização, além das Universidades e Institutos Federais, onde muitos profissionais estão trabalhando nos laboratórios.

Além da proteção constitucional do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos (inciso XXXVI do artigo 5º e inciso XV do artigo 37 da Constituição), a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou pela inconstitucionalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal (ADI nº 2238 – julgamento em curso), que permitia a redução dos vencimentos com a redução proporcional da jornada, de modo que eventual lei infraconstitucional, mesmo que durante um período excepcional, deverá seguir o mesmo caminho, já que não há permissivo para inaplicabilidade da Constituição em um momento de calamidade pública. Apenas um esforço hercúleo de interpretação poderia considerar tal lei constitucional (ou um Estado de Exceção).

Deputados avaliam também a possibilidade de aprovação da PEC Emergencial ou outra com o mesmo conteúdo – como a apresentada pelo deputado federal Ricardo Izar Júnior (Progressistas-SP) -, embora precise de maior quórum para aprovação. Acredita-se que juridicamente seria o melhor caminho, mas ainda entrariam em confronto com direito adquirido e irredutibilidade de vencimentos.

Há, ainda, crítica econômica, pois outras medidas mais significativas (como a taxação das grandes fortunas) poderiam ser adotadas para aumentar o orçamento público, já que o corte de salários dos servidores retira dinheiro da base – reduzindo ainda mais circulação de dinheiro na economia.

A mudança dos paradigmas têm nos mostrado que apenas um Estado robusto e eficiente consegue deter grande crise e fazer frente às adversidades. Por isso, é momento de enaltecer e buscar saídas por meio do Estado, composto por seus servidores, e não minguar suas capacidades.

Não há justificativas para a manutenção da ideia da redução salarial dos servidores públicos que não sejam a perseguição ideológica e a busca pelo desmonte dos serviços públicos!

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