O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou, dia 23/07, uma nota técnica abordando os riscos e os desafios de uma possível volta às aulas presenciais. O material apresenta pesquisas relativas à educação (matrículas, faixas etárias e realidade socioeconômica das famílias), aborda a realidade desorganizada de combate à COVID-19 no Brasil, enumera desafios do ensino remoto e ressalta que o foco das autoridades e das organizações da sociedade civil deve ser a preservação da vida e da saúde.
Descompassos
Ao longo de 16 páginas, com a disponibilização das referências utilizadas, a análise do Dieese perpassa questões ligadas à pandemia, economia e seus impactos na educação. “Esse descompasso entre os entes federativos e a pressão dos setores econômicos têm produzido uma situação preocupante:a volta parcial da atividade econômica, mesmo sem a COVID-19 ter sido controlada com segurança. Alguns estados e municípios têm implementado uma retomada gradual de alguns setores do comércio, que fecharam no início da pandemia, com adoção de protocolos de segurança sanitária, na tentativa de retomar o ritmo econômico sem que se intensifiquem os contágios e os óbitos. Mas resta saber se essas medidas serão realmente efetivas,em um momento em que o país ultrapassa a marca de dois milhões de infectados e já computa80mil mortes, conforme dados oficiais. Essas propostas de flexibilização da quarentena, atingem o universo escolar e têm induzido uma pressão para a volta às aulas presenciais, o que, se for feito de forma precipitada, pode gerar consequências muito graves à comunidade escolar, envolvendo professores(as), funcionários(as)e alunos(as)” questiona.
População em idade escolar e domicílios no Brasil
Comentando a quantidade de pessoas em idade escolar, o Dieese cita os dados da PNAD-Contínua, segundo a qual o país possui cerca de 123,5 milhões de pessoas moram em domicílios que possuem pelo menos uma pessoa com idade até 17 anos, ou seja, em idade escolar. “Essas crianças e adolescentes somam quase 51 milhões de pessoas, o que corresponde a 41,3% do total das pessoas que moram com alguém que está em idade de frequentar as escolas obrigatoriamente”, destaca a nota.
Desafios do ensino escolar remoto
Discutindo os desafios enfrentados por professores e estudantes diante do ensino remoto, o material cita dados de acesso à internet, que ainda ocorre majoritariamente via celular. “Nesse modelo de ensino à distância, há custos com a internet e a disponibilidade de dispositivos não alcança 100% das crianças e dos adultos. Há uma desproporção no acesso à internet pelo celular em relação ao computador, mais adequado para o aprendizado. Segundo dados da PNAD de 2017, 97% das pessoas com 10 anos ou mais tiveram acesso à internet pelo celular,enquanto apenas 56,6% o fizeram pelo microcomputador”.
O departamento comenta ainda que para a eficácia deste modelo seria necessário solucionar diversos problemas, como participação das famílias no processo e o agravamento das desigualdades entre estudantes da educação pública e privada. “A presença e disponibilidade de um(a) responsável em casas e faz essencial, mas difícil para uma camada bem ampla de responsáveis e alunos(as). A falta de condições adequadas de acompanhamento escolar -que deveriam ser garantidas pelo poder público – certamente trará consequências negativas na trajetória escolar desses(as) alunos(as). A qualidade da internet disponível e o acesso dos(as)alunos(as)ao material ofertado são elementos básicos para se pensar o ensino remoto, mas são aspectos pelos quais as secretarias da educação não se responsabilizam. Isso pode aumentar ainda mais as defasagens escolares entre as redes, entre os(as)alunos(as)de uma mesma escola ou até da mesma turma, sem contar a defasagem entre o ensino público e privado”, defende o Dieese.
Outro desafio está relacionado às pressões que o mercado de trabalho exerce ao determinar o retorno ao trabalho e às atividades econômicas. “A dependência da sintonia escola e trabalho ecoa muito mais forte nestas famílias (monoparentais), tanto para que as mães possam trabalhar, quanto para que as crianças possam alimentar-se melhor, por meio da merenda escolar. De maneira indireta, a ação para a volta às atividades econômicas implica também uma pressão para que as escolas sejam reabertas, colocando ainda mais pessoas em perigo” ressalta a nota.
Escolas sem presença x fim da quarentena: possíveis consequências
O documento aborda também o impacto do fim da quarentena e a retomada de atividades econômicas, com consequente retorno dos adultos aos locais de trabalho, e quando milhões de crianças abaixo de 12 anos que ficariam sem cuidados e/ou supervisão. “O impacto seria de tal ordem, que quase 50% das crianças do universo retratado não teriam um(a) responsável adequado(a) para sua supervisão, o que significa quase três milhões de pessoas entre zero e 12 anos de idade” cita a nota ao analisar o universo de trabalhadores da indústria geral e de comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas.
A segurança das famílias, com a combinação de suspensão de aulas e o pagamento de auxílios emergenciais para trabalhadores, é uma defesa reforçada repetidamente na nota. “Por todos os riscos envolvidos, o foco de ação momentânea deveria estar em manter os pais e os filhos em casa, com os auxílios emergenciais aos trabalhadores e às empresas como condições para a segurança dessas famílias“.
“Países como a China- que teve sucesso no controle da pandemia em um curto espaço de tempo- têm retardado a volta às aulas presenciais, por conta de novos casos de infectados. Outros,como França e Coreia do Sul, reabriram suas escolas, mas dezenas delas tiveram de ser fechadas novamente,por conta do surgimento de novos casos. O Reino Unido- que se mantém na quinta colocação em número de mortos por Covid-19,com mais de 40 mil óbitos- abriu as escolas infantis com um rigoroso sistema sanitário.Essas ações foram integradas com um alto número de testagens nas pessoas e uma quarentena efetivamente cumprida pela população,além de investimentos maciços nos sistemas de saúde. Mesmo assim, muitos pais não enviaram seus(as) filhos(as) à escola, por não terem a confiança necessária” explica o Dieese.
Preservar a vida e a saúde
A conclusão da nota ressalta a relevância de preservar a vida e a saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores. “O debate necessário e urgente dessas questões fundamentais não pode ser diluído em sua importância pelas diversas narrativas dissonantes sobre como enfrentara pandemia da COVID-19. O foco das preocupações das autoridades públicas e das organizações da sociedade civil há de ser fixado na preservação da vida e da saúde das pessoas, para se evitar que a falta de ação conjunta e eficaz dos poderes públicos, condene milhões de crianças e adultos a uma estação ainda maior de privações”.
Greve
O SINASEFE aprovou, em sua 163ª PLENA, a deflagração de greve contra o retorno presencial e/ou semipresencial de aulas nas unidades da Rede Federal de Educação e das instituições de ensino ligadas ao Ministério da Defesa (MD). No último dia 29/07, o sindicato oficiou o MEC e o MD, informando a decisão da categoria. Para as(os) trabalhadoras(es) organizadas(os) no SINASEFE, a retomada de aulas presencias e semipresenciais só deve ocorrer quando a pandemia de COVID-19 estiver controlada: com a redução drástica do número de novos casos e óbitos diários. Outro requisito é que haja vacina comprovadamente eficaz contra a COVID-19, distribuída pelo SUS para todos.
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Baixe aqui a Nota Técnica nº 244 do Diesse (completa, em PDF)
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Via: Sinasefe Nacional