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• SOCIEDADE • LIBERDADE DE EXPRESSÃO • POLÍTICA | Julgamento no STF sobre protestos é decisivo para liberdade de reunião no Brasil

• SOCIEDADE • LIBERDADE DE EXPRESSÃO • POLÍTICA | Julgamento no STF sobre protestos é decisivo para liberdade de reunião no Brasil

” (…) uma tragédia ímpar para os direitos à liberdade de expressão e de reunião em nosso país.”

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No dia 5 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início a um julgamento de enorme importância para o futuro do direito de protesto no Brasil.

Em pauta, está um recurso movido pela Coordenação Nacional de Lutas, pelo Partido Socialista de Trabalhadores Unificados e pelo Sindicato dos Trabalhadores Petroleiros de Alagoas e Sergipe que contesta uma ordem judicial que determinou uma multa no valor de R$10 mil a cada uma das entidades pela realização de um protesto em 2008.

Para a Justiça, as entidades descumpriram um interdito proibitório obtido pela Advocacia-Geral da União que vedava a realização do ato que bloqueou um trecho da BR-101. A proibição foi autorizada com base na alegação de que os organizadores desrespeitaram o inciso XVI do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê a exigência de “prévio aviso à autoridade competente” para a realização de reuniões públicas, o que inclui protestos.

Para os organizadores da manifestação, porém, o aviso prévio já havia sido cumprido com a publicação na imprensa de notícias sobre o evento antes que ele ocorresse. Amparados nesse argumento, as entidades moveram uma série de recursos a instâncias superiores contestando a aplicação da multa, até que a demanda foi recebida no STF sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, que entendeu tratar-se de um “caso paradigmático” e reconheceu sua Repercussão Geral.

No julgamento do dia 5, Marco Aurélio apresentou seu voto negando o recursomovido pelas entidades e mantendo as multas impostas, sob o entendimento de que o aviso prévio para a realização do protesto, de fato, não havia sido cumprido. Segundo a votar no plenário do STF, o ministro Alexandre de Moraes acabou pedindo vista do processo, adiando-o indefinidamente.

Para diversas entidades da sociedade civil, o resultado do julgamento poderá determinar o alcance e os contornos da notificação prévia prevista na Constituição. O temor é que o STF possa interpretar o dispositivo restritivamente e estabelecer diversos critérios para o cumprimento dessa previsão, o que, de certa forma, poderia chancelar sua restrição ou mesmo repressão. Em outras palavras, o receio é que, sob o pretexto de se exigir o cumprimento da norma constitucional que requer o “prévio aviso”, o poder público poderia instituir uma dinâmica que se traduziria em “autorizações” para que protestos ocorressem ou não.

A fim de abrir caminho para um debate que observe os direitos fundamentais e os padrões internacionais nesse tema, é preciso antes de tudo perguntar: qual o objetivo do trecho “prévio aviso à autoridade competente” que consta na Constituição? Para a ARTIGO 19, a resposta deve se dar à luz de uma interpretação que garanta o direito de protesto e não que o restrinja.

Por isso, a ARTIGO 19 defende que a necessidade de “prévio aviso” deva ser encarada simplesmente como uma maneira de evitar que duas reuniões ocorram no mesmo local e hora. Seria um meio pelo qual o poder público pudesse se organizar a fim de garantir o direito de protesto.

Não seria razoável, dessa forma, considerar ilegal uma manifestação cujos organizadores não tenham comunicado o poder público sobre sua realização. Muito menos a ausência da notificação deve servir de pretexto para uma repressão policial contra manifestantes, como se viu em alguns episódios dos últimos anos.

Dois desses episódios aconteceram em São Paulo em janeiro de 2016, em protestos organizados pelo Movimento Passe Livre. À época, a Secretaria de Segurança Pública, cujo titular era o hoje ministro do STF Alexandre de Moraes, justificou as ações violentas da tropa de choque da Polícia Militar com base na ausência do aviso prévio. Esse histórico, aliás, levanta receios sobre uma eventual interpretação restritiva de Moraes no momento de proferir seu voto.

Mais preocupante, porém, é o parecer que a Procuradoria-Geral da República (PGR) elaborou para o julgamento. Nele, o órgão defende que toda manifestação em locais públicos deva ser precedida pelo envio de ofícios por parte de seus organizadores a autoridades do Poder Executivo – ofícios esses que devem trazer não apenas a data, horário e local do protesto como também o trajeto a ser seguido, os dados pessoais dos organizadores (nome e endereço) e ainda o seu objetivo.

Para a ARTIGO 19, não restam dúvidas de que tais exigências são totalmente inapropriadas e não visam outra coisa que inibir o exercício do direito de protesto protegido constitucionalmente.

É preciso lembrar que, em tempos de internet, diversos protestos acontecem de forma espontânea e sem organização a priori – tais quais os vistos em várias capitais do país quando do assassinato da vereadora Marielle Franco, por exemplo. Essa nova dinâmica de mobilização pode tornar inviável a comunicação prévia às autoridades de sua ocorrência, mas ainda assim não faz com que as manifestações percam legitimidade.

As exigências da PGR também ignoram que uma série de protestos são organizados por grupos que funcionam sob uma lógica de horizontalidade, em que não há lideranças definidas e cujos trajetos pela cidade são definidos por votação no momento em que os manifestantes estão nas ruas.

Já no que tange à requisição de dados pessoais de organizadores, trata-se de uma exigência de caráter eminentemente intimidatório, e que acaba suscitando receios de retaliação nos casos em que a manifestação incorrer em danos ao patrimônio, ainda que um indivíduo ou grupo não tenha controle algum sobre as ações de terceiros em um protesto.

Por fim, a exigência de se comunicar o objetivo do protesto também soa completamente excessiva e desnecessária, uma vez que o direito à reunião em locais públicos é passível de ser exercido independentemente de seus motivos. Inclusive, uma eventual instituição de tal norma certamente recrudesceria a “seletividade” da repressão policial, em que protestos com determinadas pautas são mais visados pela tropa choque da polícia que outros.

Por tudo isso, a ARTIGO 19 defende que notícias na imprensa, e mesmo publicações em redes sociais, já deveriam ser consideradas como ações que observam o artigo 5º da Constituição, e, mesmo na ausência desses, nenhum protesto deve ser taxado de ilegal nem estar sujeito a ações de violência policial.

É de vital importância que todas as entidades de direitos humanos, ativistas, acadêmicos e demais pessoas que se importam com os direitos civis fundamentais acompanhem atentamente o desenrolar do julgamento no STF iniciado no dia 5. Caso prevaleça a leitura restritiva sobre a qual alertamos neste texto, podemos assistir a um período de ainda mais repressão policial em manifestações, e de um número ainda maior de multas impostas pelo Judiciário contra seus organizadores, o que naturalmente implicaria uma redução drástica no número de protestos pelo Brasil.

Tal cenário seria de uma tragédia ímpar para os direitos à liberdade de expressão e de reunião em nosso país.
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Camila Marques é coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19

Mariana Rielli é assistente jurídica na mesma entidade

João Ricardo Penteado é coordenador de Comunicação da mesma entidade

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