Por: Marina Souza – Carta Capital | Opinião
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Novos players estão em campo. Se ganharão dimensão ou se vieram para ficar, o tempo dirá
Existe a impressão praticamente unânime em toda a sociedade brasileira de que o movimento estudantil, tão ativo nos anos de chumbo da Ditadura Militar e em outros períodos da história do país, é e sempre foi alinhado aos pensamentos e às entidades de esquerda.
Partidos de esquerda, em especial o PCdoB e sua UJS (União da Juventude Socialista), via de regra estiveram à frente da UNE (União Nacional dos Estudantes) – via mecanismos legítimos de votação e representatividade – se não sempre, quase sempre. Não apenas da UNE, mas também dos centros e diretórios acadêmicos das maiores universidades públicas e privadas do país. Contudo, algo vem mudando.
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A direita entrou no jogo. Se a esquerda ainda mantém a hegemonia dentro da política que se faz nos meios universitários, não está mais sozinha. Movimentos de espectros ideológicos diferentes se posicionam em relação às polêmicas políticas do momento e articulam ações para promoverem seus pensamentos entre os estudantes.
Tomemos como exemplo a chapa “Aliança Pela Liberdade”, que venceu as eleições do DCE da Universidade de Brasília (Unb) em 2018 e entrou no poder trazendo seu viés direitista aos embates universitários. Classificando assembleias estudantis como “inadequadas e ultrapassadas”, criticando protestos “barulhentos” e regularizando endowments para conseguir parcerias com a inciativa privada, o grupo se classifica como uma entidade de direita com “princípios clássicos do liberalismo, como autonomia e responsabilidade individual”.
Criada em 2009, a Aliança Pela Liberdade ganhou cinco das seis eleições que disputou. “A República Velha terminou com a chamada Revolução de 30. Gostaríamos de ver a oligarquia da UNE terminar com um movimento ‘Diretas Já!’. Infelizmente, o resultado do modelo ultrapassado está aí. Hoje a UNE é absolutamente irrelevante no debate público”, desabafa Jamile Sarchis, 22 anos, que preside a gestão ao lado de Júlia Markiewicz. Uma das chapas derrotadas pela Aliança é o “Movimento Reação Universitária”, que continha apoiadores de João Amoêdo (NOVO), Jair Bolsonaro (PSL) e até mesmo Álvaro Dias (PODEMOS).
Infelizmente, o resultado do modelo ultrapassado está aí. Hoje a UNE é absolutamente irrelevante no debate público
As presidentas acreditam que Bolsonaro poderá ajudar imensamente a educação brasileira, pois, segundo elas, aproxima o mercado de trabalho, a ciência e tecnologia da academia, com investimentos pautados em resultados.
Ninhos de rato
Em novembro do ano passado, o presidente gravou uma live no Facebook dizendo que, quando empossado, “apararia” as universidades porque os centros acadêmicos parecem ninhos de rato e são locais onde têm maconha, preservativo no chão, cachaça na geladeira e paredes pichadas. “Vão me chamar de homofóbico, fascista, ditador… A gente vai tentar mudar isso aí, porque o brasileiro, a maioria dos brasileiros que votaram em mim, não querem mais isso, e ponto final. Eu também não quero”, disse.
Mas nem só de alinhamento com Bolsonaro vive o movimento estudantil do centro para a direita. A Juventude do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), presidida por Marcos Saraiva, de 24 anos, não enxerga com bons olhos o governo de turno. “A referência democrática de Bolsonaro é o PT. Se Lula ou Dilma fizeram, ele se sente politicamente autorizado a fazer igual ou pior. Todo nosso apoio às entidades estudantis sempre foi dado. Somos o partido de José Serra, ex-presidente da UNE “, discursa Marcos, que não quis comentar a decisão de João Dória (PSDB) em apoiar o candidato do PSL à presidência.
A quantidade de grupos estudantis ligados a direita só cresce. “USP Livre”, “Unicamp Livre”, “Unesp Livre”, “UFMG Livre”, “UEL Livre”, “UFRJ Livre”, “UFPR Livre” e tantas outros “livres” compõem essa massa juvenil que não se vê representada pela esquerda universitária. O coletivo UniLivres, por exemplo, quer se tornar uma entidade nacional formalizada para representar todos os alunos direitistas brasileiros e têm organizado eventos para conquistar público, o próximo será “A UNE Não me Representa”, em repúdio ao apoio da União à Nicolas Maduro.
Matheus Lopes, 23 anos, estudante de Ciências Econômicas na Universidade Estadual de Campinas, é estrategista de planejamento político do “Unicamp Livre”, grupo que se define como liberal na economia e, parcialmente, nos costumes. Entre os integrantes, há quem se defina como social-liberal, libertário, ordoliberal (espécie de terceira via política nascida na Alemanha do pós-guerra), anarco-capitalista e até conservador.
Embora não tenha interesse em disputar uma eleição no Diretório Central dos Estudantes (DCE), o Unicamp Livre atuará neste ano nas instâncias deliberativas da instituição, estando presente no Conselho Universitário e na Comissão Central de Graduação e pretende criar endowments.
“O movimento estudantil só voltará a resolver os problemas dos estudantes a partir do momento em que diminuir o aparelhamento político que ocorre nas entidades e acabar com o radicalismo e sua desconfiança em relação aos estudos em meios digitais”, esboça Matheus. Ele acredita existir uma doutrinação esquerdista nas escolas e universidades do país, tese que ganhou força com o projeto Escola Sem Partido e tudo mais que se vê no Brasil hoje em dia.
Já se analisarmos o Nossa Voz, DCE da USP, que tem ligação partidária com o Partido dos Trabalhadores (PT) e com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), vemos intensas críticas ao novo governo, sob a justificativa de que o país está diante da implementação de um projeto neoliberal que visa sucatear o sistema público educacional e retirar do Estado a responsabilidade de garantir a qualidade de ensino. Carina Mendes, de 22 anos, coordenadora geral da entidade ao lado de Pedro Pereira e David Molinari, diz que as falas do presidente sobre vouchers e as agendas de privatizações colocam a Educação brasileira como um negócio, e não um direito. Assim como foram defendidos pelo candidato à presidência derrotado João Amoêdo, os vouchers de educação também foram citados pela equipe do novo presidente e consistem em um modelo no qual “vales” são distribuídos às famílias dos alunos a fim de pagar escolas privadas.
O fato é que para o gosto de alguns e desgosto de outros, Bolsonaro não prevê revogar a emenda 95, congeladora por 20 anos dos gastos de investimento em saúde e educação, é contrário às cotas raciais e coloca em risco a liberdade de expressão dos professores e discentes. “Colocar uma pessoa desqualificada para dirigir o Inep e retirar alguém com experiência é uma prova da contradição de Bolsonaro, que prometeu uma equipe técnica. Não há nada de técnico nisso”, comentou o presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Pedro Gorki, que assim como Mendes também é alinhado às pautas progressistas.
Uma medida recente assinada por Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, exonera Maria Inês Fini da presidência do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e coloca Marcos Rodrigues no lugar. O responsável pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) será Murilo Resende, ex-integrante do Movimento Brasil Livre (MBL). Seria essa mudança um passo de vitória para esses crescentes movimentos estudantis liberais?
A nova onda estudantil direitista está contemplando a redução e até mesmo o fim de greves, assembleias, protestos e campanhas políticas nas universidades do país. Novos players estão em campo. Se vieram para ficar ou se vão tomar dimensão suficiente para alterar um quadro que dura décadas, é o tempo quem vai dizer.